IMUNIDADE DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA AO FUNRURAL NA EXPORTAÇÃO INDIRETA

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A contribuição previdenciária ao Funrural-Agroindústria está prevista no artigo 22-A da Lei n. 8.212/91, sendo devida pelas agroindústrias, entendidas como os produtores rurais constituídos sob a forma de pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros.

Nessa linha, sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção rural será devida contribuição à alíquota de 2,5% destinada à Seguridade Social, nos termos do referido dispositivo normativo.

O artigo 149, §2º, I, da Constituição Federal determinou a imunidade das receitas de exportação no que tange às contribuições sociais, ao prescrever que as contribuições sociais: “não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação”.

Assim, não resta dúvida sobre a imunidade da contribuição previdenciária do artigo 22-A da Lei n. 8.212/91 nos casos de receitas de exportação.

Todavia, diante da ausência de disposição específica em lei, resta a dúvida de como se dá a aplicação da imunidade quando a exportação ocorre de forma indireta, isto é, quando a operação de venda é destinada para uma trading company, que venderá em operação subsequente para o exterior.

Já em nível infralegal, a extensão da imunidade no Funrural-Agroindústria para as receitas decorrentes de exportação indireta foi regulamentada pela Receita Federal por meio do artigo 170, parágrafos 1º e 2º, da Instrução Normativa RFB n. 971/093, que assevera que não incide a contribuição previdenciária exclusivamente quando a produção é comercializada diretamente com adquirente domiciliado no exterior.

O referido artigo menciona ainda que a receita decorrente de comercialização com empresa constituída e em funcionamento no País é considerada receita proveniente do comércio interno e não de exportação, independentemente da destinação que esta dará ao produto.

Ante o exposto, da aplicação da Instrução Normativa RFB n. 971/09 resulta a incidência da contribuição previdenciária ao Funrural-Agroindústria nas vendas às trading companies, ainda que estas pratiquem efetivamente a exportação da produção rural.

Ao se debruçar sobre o tema, Fábio Calcini destaca que o uso de empresas que tem por objetivo a realização de produtos não desnatura a operação de exportação, de modo que inexiste razão para que as exportações indiretas não sejam alcançadas pela imunidade do artigo 149 da Constituição.

No âmbito da jurisprudência, é importante citar o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) do RE 627.815/PR em 2013, de relatoria da ministra Rosa Weber, no qual se discutiu a abrangência das “receitas decorrentes de exportação” a que se refere o art. 149, § 2º, I, da Constituição Federal.

No referido caso, julgado sobre a sistemática da repercussão geral e no qual se discutia o alcance de tal dispositivo para as contribuições PIS e Cofins, adotou-se a interpretação teleológica da imunidade, a emprestar-lhe abrangência maior, com escopo de assegurar à norma supralegal máxima efetividade, de forma que prosperou o entendimento de que a intenção da Constituição é a de desonerar as exportações por completo, a fim de que as empresas brasileiras não sejam coagidas a exportarem os tributos que, de outra forma, onerariam as operações de exportação, quer de modo direto, quer indireto.

Ainda no âmbito do STF, a questão aqui debatida surge de forma expressa quando o referido tribunal julgou em 12 de fevereiro de 2020 a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4735 e Recurso Extraordinário (RE) 759.244 com repercussão geral, afastando a incidência do tributo nas operações envolvendo “trading companies”.

Nesse sentido, foi fixada a seguinte tese: “a norma imunizante contida no inciso I do § 2º do art. 149 da Constituição da República alcança as receitas decorrentes de operações indiretas de exportação caracterizadas por haver participação negocial de sociedade exportadora intermediária”, de modo que foi afastada a aplicação das restrições presentes nas Instruções Normativas.

Vale citar trecho relevante do voto do Ministro Edson Fachin nos seguintes termos:

“(…) a regra no comércio internacional em casos de tributação sobre o consumo é a aplicação do princípio do destino, segundo o qual o Estado destinatário, é dizer, em que se dará o consumo do produto que sofreu industrialização na territorialidade de outro ente soberano, deve recolher o tributo sobre a manifestação de riqueza. Em suma, a finalidade é desonerar, em termos tributários, as exportações e onerar as importações, favorecendo a balança comercial do país.

De todo modo, a desoneração constitucional ou legal da cadeia produtiva dirigida à exportação é orientada pelos princípios fundamentais do direito tributário internacional, notadamente o da territorialidade, da fonte e da universalidade, como consectários inafastáveis do princípio da igualdade na seara tributária, fim último da tributação em consonância ao que por mim argumentado no Tema 225 da sistemática da repercussão geral vertido no RE 601.314, de minha relatoria”.

A partir da leitura do referido trecho, nota-se que a regra imunizante tem por objetivo desonerar as exportações, impedindo que a “carga tributária” seja exportada, tornando os produtos brasileiros menos competitivos.

Feitas as considerações gerais sobre o tema, torna-se relevante verificar como tal tema vem sendo analisado no Carf.

Com relação aos precedentes anteriores ao julgamento da ADI 4735 e do RE 759.244, Fábio Calcini assinalava que a maior parte dos precedentes era favorável ao contribuinte com o reconhecimento da imunidade, embora houvesse decisões desfavoráveis emitidas no segundo semestre de 20187.

Nesse sentido, foram desfavoráveis aos contribuintes os Acórdãos 2301-006.512 (08/10/19), 2301-006.511 (08/10/19), 2402-006.712 (06/10/18), 2401-005.666 (07/08/18), 2201-004.540 (05/06/18), 9202-006.595 (20/03/18) e 2401-004.847 (05/06/17), nos quais prevaleceu o entendimento de que não deveriam ser excluídas da base de cálculo da contribuição previdenciária ao Funrural as receitas com exportação indireta de produção rural em consonância com as Instruções Normativas da Receita Federal.

Por outro lado, o entendimento de que a imunidade de contribuição previdenciária ao Funrural também se aplicaria no caso de exportações indiretas foi preponderante nos Acórdãos 2401-005.730 (11/09/18), 2401-005.598 (03/07/18), 2201-003.863 (12/09/17), 2201-003.802 (08/08/17), 2401-004.921 (04/07/17) e 2401-004.896 (07/06/17).

Após o julgamento da ADI 4735 e do RE 759.244 pelo STF, tal tema foi novamente analisado pelo Carf em julho de 2020.

No Acórdão 2301-007.420 (07/07/20), entendeu-se, de forma unânime, que devem ser excluídos da base de cálculo da contribuição previdenciária ao Funrural os valores referentes às vendas para empresas exportadoras.

No referido caso, foi levado em consideração a função econômica de uma trading company, ou seja, a atuação como intermediadora na representação e comercialização de produtos no comércio internacional, realizando inserções da produção econômica nacional no exterior, colaborando assim no desenvolvimento, emprego e renda do país, sendo que tal escopo consta ainda no Decreto-lei n. 1.248/72, que concedeu uma série de incentivos fiscais às operações realizadas pelas trading companies quando tiverem por objeto específico atividades ligadas ao envio de produtos nacionais ao exterior.

Além disso, a turma aplicou integralmente o entendimento da ADI 4735 e do RE 759.244, em linha com o que dispõe o artigo 62 do RICARF.

Diante do exposto, nota-se que a decisão do STF repercutiu no precedente do Carf julgado neste ano, de forma que prevaleceu o entendimento de que a imunidade da contribuição previdenciária ao Funrural relativa às receitas de exportação alcança as exportações indiretas.

(Pelos Conselheiros do CARF: Alexandre Evaristo Pinto e Wesley Rocha)

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